segunda-feira, 7 de março de 2011

13 - Capítulo VI - O Bicho Pegou na Cadeia!

O ser humano não sabe do que é capaz até se sentir acuado. Uma pessoa tranquila e boa gente pode se tornar um assassino frio e cruel se se sentir ameaçado ou se sentir a dor de ver um ente querido machucado ou correndo risco de vida. Essa é a regra da vida. Só se conhece um homem em meio às turbulências.
Os mais fracos sucumbem e os mais fortes atacam!
Marcos aprendeu muito naqueles poucos dias de estadia na prisão. Sessenta e dois dias desde que se entregou à justiça.  Já convivia com Joca e Sandoval durante o banho de sol e as refeições e temia por suas vidas, pois sentia que planejavam algo contra eles, pela maneira com que olhavam os três toda vez que saiam ao pátio.O problema era com Joca, que vivia acuado e constrangido, observado  pelo manda chuva do pavilhão. Era conhecido por "Boca", um traficante que comandava, mesmo dali, todo o tráfico de uma das maiores favelas de Porto Alegre. A maneira como ele encarava Joca fazia com que temesse por sua vida.
__Eu soube de fonte segura que Boca ofereceu 2.000 reais para o carcereiro deixar a cela do teu amiguinho destrancada essa noite.
__Filha da puta! Tem certeza mesmo?
__Cara! É quente! Teu amigo tá ferrado. Vai virar mulherzinha dele hoje ainda.O companheiro de cela de Marcos não queria encrenca, por isso escondeu a fonte de sua informação.
Na hora do almoço Marcos viu quando Boca  entregou um pacotinho a um dos carcereiros. O medo foi  substituido por revolta por estarem ali, talvez fosse o único sentimento  que o companhava desde o início
 A sala de refeições e o pátio onde tomavam sol eram os dois lugares mais conflitantes,  pois ficavam expostos aos comentários e avaliações dos detentos. A maioria ainda via nos novatos um divertimento, uma vez que  ali não havia muitas opções de lazer.
Boca não escondia seu interesse por Joca. O modo apavorado como o rapaz  se comportava cada vez que via o traficante na sala de refeições deixava-o   mais interessado ainda. Era um homem frio, que costumava intimidar os mais fracos,  obrigando-os a serví-lo em suas necessidades. Não era segredo a sua preferência por rapazes, ainda mais com traços finos como o de Joca.
Marcos soube do acordo feito com o carcereiro e decidiu agir antes que o pior acontecesse.
Estavam na hora do almoço quando levantou-se de supetão da mesa e encarou Boca que estava do outro lado do salão.
Percebendo seu olhar o homem gritou:
__Algum problema?
__Eu é que pergunto. Perdeu alguma coisa aqui?
Pratos foram afastados, mesas empurradas e os olhares dos detentos procuraram pelos guardas. Marcos não esperou pelo homem, se adiantou até onde estava com olhar firme e com os punhos fechados e disse:
__Eu não sou esse babaca que pensa que sou. Cheguei aqui na boa, não me meti nos teus assuntos, até achei teu negócio bem estruturado e tinha decidido pedir uma oportunidade.
__Oportunidade? Bebeu foi?
__Deixa eu terminar. Depois você faz o que quiser.
__Vá lá, termine...
__Eu sou da paz. Só queria expandir meu negócio lá fora, sem incomodar ninguém,  mas os brigadianos interferiram e aqui estou. Vacilei, assumo. Vacilei legal! Mas não é por isso que pode me tratar como um pato. Sou muito homem!
__Eu te tratei como um pato?
__Tá de olhos espichados para meu amigo.
__Ah! Isso? Não sabia que ele era sua mulherzinha.
__Não sabia? Todos sabem...Quem aqui não percebeu?
Todos se olharam e os comentários foram surgindo. "Eu bem que desconfiei...", "Não te disse?", "Eu já sabia"...
__Calem a boca! Boca estava vermelho de raiva.
__Eu...Joca pensou em negar, mas foi cortado por Marcos.
__Cala a boca! Essa conversa  é entre homens!
__Então a belezura é sua namorada! Olha aqui, não gosto que me enfrentem. Mas também, sou contra traição, principalmente no campo das intimidades. Mulher para mim é sagrada e só se conserta uma traição com a morte. Mas também costumo não admitir afronta. Quem tu pensa que é para vir ditar o que posso ou não fazer? Boca segurou Marcos pelo colarinho e completou:
__A mulher pode ser tua, não mexo mais, pode ficar tranquilo. Agora, esse rosto eu vou ter que marcar...E antes que pudessem fazer alguma coisa imobilizou o rapaz contra a parede e fez um corte no lado esquerdo de seu rosto.Os guardas assistiam tudo de longe e pareciam satisfeitos com o desfecho.
_Marcos estava sangrando  muito. Cerrou o punho e encarou o homem com desprezo. Tinha poucos segundos para decidir que atitude tomar: Extravazar toda sua raiva num murro que certamente acabaria em muita pancadaria, afinal era bom de briga, sempre foi admirado por jamais levar desaforo para casa ou engolir sapo, dando meia volta e retornando ao seu lugar como se nada tivesse acontecido. A última opção lhe renderia uma dor de cabeça enorme, além de muitas noites de insônia, afinal era humilhante para seu orgulho se passar por covarde, mas seria o mais correto, uma vez que o problema inicial, o assédio a Joca, estaria resolvido.
Pensando dessa forma pronunciou:
__Não vou revidar, acho que mereci pela forma ditadora que me dirigi a você no início da nossa conversa. Mas preciso saber se nossa questão estará resolvida ou se ainda restará alguma pendência.
__Não se preocupe. Como já disse, a mulherzinha é sua.
__Assunto encerrado então.
__Já vi que o moço é acostumado a mandar. Aqui quem manda sou eu. Portanto, se lembrar disso daqui para frente, eu concordo que nosso assunto está encerrado.
Apesar da discussão estar terminada o clima era tenso. Ficou algo no ar, talvez pela altivez de Marcos. Bola gostava de ver todos a seus pés, como lacaios, e o rapaz jamais agiria assim.
De qualquer forma o problema de seu amigo estava resolvido.
__Não sei se foi melhor assim. Passar por seu viadinho...
__Ia ser mulherzinha dele hoje a noite. Se não acredita em mim pergunte ao Luiz, foi ele que me avisou.
Contou rapidamente ao rapaz sobre a negociação do homem com o carcereiro e a conversa terminou. Naquela noite os dois desejaram ardentemente que tudo acabasse logo. Nunca na vida sentiram tanta falta de casa! A família tinha uma grande importância na vida das pessoas. Pena que para descobrir isso precisassem chegar ao fundo do poço.

Gravidez ou Gravidade?


__Eu sei mãe. Não estou iludida. Apenas queria que Almir soubesse.
__Achou o que? Que ele ia se casar com você quando contasse que estava grávida?
__Não. Achei que ficaria feliz em ser pai, só isso.
__Acorda filha. Não é a primeira nem será a última a cair nesse conto.
__Mas eu não caí em nada. Eu transei porque estava apaixonada.
__E agora? Já pensou em como será nossa vida de agora em diante?
__Perdoe-me...
__Vai ou não fazer o que eu disse?
__Não gosto de mentir...
__É por uma boa causa. Ele não quer que você faça um aborto? Você pega o dinheiro e pronto. Ele fica feliz e a gente um pouco mais segura. Sabe o que é começar uma vida nova com uma filha grávida e sem dinheiro?
Estavam de malas prontas. Iam partir para São Paulo onde tinham alguns parentes e onde as oportunidades de trabalho eram melhores. Precisavam sair de Porto Alegre para garantir uma gravidez tranquila, pois quando Almir soubesse que teria o bebe, certamente viria atras da moça tirar satisfações. Ele ficou uma fera ao saber da gravidez e marcou um novo encontro  para lhe dar o dinheiro para o aborto. Não tinha lhe dado opções. Ou a moça fazia o aborto ou ele a mataria. Almir sempre disse que vagabunda alguma se aproveitaria de um vacilo seu para lhe arrancar dinheiro. Para ele a moça tinha lhe passado o golpe da barriga. A mãe dela estava aliviada, tinha pavor de pensar em entregar sua filha para viver como fugitiva junto de um bandido.

Se as filhas ouvissem a voz da experiência de suas mães, certamente poupariam tanto sofrimento! Quantas vezes a tinha alertado sobre o caráter de Almir e seu envolvimento com drogas, mas sua filha estava cega. Precisou arranjar barriga para perceber que o que o rapaz queria era somente sexo, sem complicações.
Agora sua vida estava comprometida. Nada de saídas no final de semana, roupas novas, sonhos de faculdade...Um filho era prioridade e no momento teriam que trabalhar para garantir que tivesse as necessidades básicas que uma criança precisa. Ainda mais numa cidade estranha, já que teriam que fugir dali para ficar longe da ira do rapaz.
__Tudo bem mãe. Eu pego o dinheiro e digo que farei o aborto. Depois a gente foge e não nos vemos nunca mais.
__Isso filha. Não sei quanto ele vai te dar, mas qualquer quantia é melhor que nada. Assim ele fica tranquilo que você tirou o bebe e deixa a gente em paz. Recomeçamos nossa vida longe daqui, só nós duas.
Se abraçaram e continuaram a empacotar seus pertences. Tinham pouca coisa, os móveis iam para uma transportadora. Haviam conseguido carona no caminhão de um amigo que ia levar uma carga até o Porto de Santos. De lá ficaria mais fácil e barato também. 
Iam embora para São Paulo em cinco dias.


E os dias atrás das grades...


Os dias foram passando  e nada de liberdade. Os comparsas já estavam perdendo a esperança de responder em liberdade. O julgamento havia sido marcado para o mês seguinte. 
__Finalmente! Acha que seremos condenados? Sandoval ainda tinha esperança de uma absolvição.
__Esquece! Claro que seremos condenados. Fomos pegos em flagrante, esqueceu? Joca era o mais conformado dos três.
__O idiota do Almir é que se safou dessa. Continua livre. Mas vocês não precisam se preocupar. São réus primários e o nosso advogado é o melhor de Porto Alegre. Se formos condenados será uma pena leve, com certeza. O jeito é levar na boa. Marcos parecia calmo.
__Pretende continuar com os roubos depois que sair daqui? Pode tirar o cavalinho da chuva, eu não entro mais nessa.
__Nem eu, Joca concordou com o amigo.
__Podem ficar despreocupados. Estou fora desse ramo. Mas o que me preocupa é o tempo que teremos que passar aqui e não o que faremos lá fora. 
__Batista não foi indiciado?
__Não. E vai continuar assim. Ninguém precisa saber que ele fez parte do negócio. Marcos foi bem seco ao responder a pergunta de Joca.
__A gente nunca vai dizer nada, mas e Almir? Ele odeia o cara.
__Almir é procurado. Fugitivo. Ninguém vai acreditar nele. Depois, é a nossa palavra contra a dele. Não existem provas da participação de Batista.
__Melhor assim. Afinal o pai dele está nos ajudando. 
__Isso mesmo Sandoval. Vamos esquecer de Batista. Esse foi o trato.


No dia seguinte, nem bem o sol nasceu já se ouvia a agitação do corredor no pavilhão principal.
__O que aconteceu? Luiz perguntou ao carcereiro que passava com pressa em direção às celas do lado do refeitório. 
__Parece que machucaram alguém. Fiquem quietos, cada um na sua cela.
__Ei! Marcos! Era João, o rapaz da lavanderia, que passava com uma cesta de roupas sujas de sangue._Machucaram seu amigo.
__Venha até aqui. Marcos teve um pensamento ruim. Temia por Joca. O que aconteceu? 
__Pegaram seu namoradinho. Sabe quem foi, não sabe?
__Mas ele prometeu...
__Ninguém viu nada. Joca amanheceu bem machucado e o companheiro de sela também. Parece que levaram uma surra.
__Só isso? Surra?
__Cara, deve imaginar o que rolou por trás disso. Melhor eu ir antes que alguém nos veja conversando.
__Onde está o Joca?
__Na enfermaria ora...
Ninguém saiu para o banho de sol naquele dia. Marcos tentava de todas as maneiras ver o amigo na enfermaria. Ainda tinha um pacote de cigarros. Não foi difícil comprar o carcereiro.
__Tem dez minutos, não mais.

...


Próximo Capítulo - Dia 7 de março de 2011
continuação do Capítulo VI - Lavando a honra com sangue.

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