segunda-feira, 28 de março de 2011

16 - O Reencontro de Dois Velhos Amigos



__Não pode me chantagear assim...

__Posso sim. Brinca comigo para você ver. Entrego você de bandeja para a polícia e de quebra seu amiguinho que, eu já soube, saiu da cadeia pela manhã. Almir parecia desesperado.
__Mas você se ferra junto!
__Que remédio? Não tenho mais nada a perder. Alemão quer me ver pelas costas. Acho mesmo que corro risco de vida. Ele é mestre em queima de arquivo e você sabe,  sei demais...
__Mas por que foi enfrentar o homem?
__Eu sou procurado, sabe disso. Ele queria que eu continuasse na ativa. Ia acabar preso e morto na cadeia. Eu saquei a dele,  quer me ver pelas costas. Não precisa mais do idiota aqui...
__Mas não pode me chantagear. Iria preso também e acabaria morto do mesmo jeito.
__Que quer que eu faça? Se não fugir para bem longe acabo morto da mesma forma. Preciso de dinheiro.
__Vou ver o que posso fazer. Mas preciso de tempo.
__Não tenho tempo. Preciso me esconder, sabe disso.
__Vou ver o que consigo. A noite nos falamos.
__Tudo bem. Eu volto de noitinha. Não vá me trair ou te ferro!
__Vá logo...
__Quem é o cara?
__Não se meta Anita!
__Já vi que é roubada. Pela cara dele, boa coisa não é.
__Fica de fora. Não comente isso com ninguém.
__Hum...Vou cobrar pelo favor.
__Chantagem?
__Tá me estranhando? Não sou da laia daquele homem...
__Acho bom. É muito feio ficar ouvindo conversa alheia.
__Deixa disso. Sabe que pode confiar em mim.
__Assim espero. Batista sabia que a moça poderia por tudo a perder.
__Fica sossegado cara! Não vi, nem ouvi nada.
__Boa menina. Batista não queria envolver a garota. No fundo tinha um carinho especial por ela, mesmo sem teor sexual, sabia que os seus sentimentos com relação a ele eram sinceros.
__Hum...Estarei vendo um certo clima? Anita se aproximou e, com o rosto quase colado ao seu, respirou profundamente, deixando-o tenso.
__Pare...
__Viu como mexo com você? Seu cheiro me deixa maluca...Num ímpeto colou seu corpo ao do rapaz e o abraçou com força.
Por mais que gostasse de Marcos,  a falta de sexo o deixava vulnerável. Não podia negar que se excitava com a proximidade, mesmo sabendo que preferiria com alguém do mesmo sexo.
__Pare Anita...Sem controlar  mais, abraçou a garota e a beijou. Foram apenas alguns segundos nos quais suas necessidades falaram mais alto, depois, num ímpeto de arrependimento,empurrou-a com firmeza.
Não era fácil aceitar uma recusa desse porte. Era como se seu lado mulher estivesse em prova. Anita passou a mão pelos cabelos, deu um longo suspiro e perguntou:
__Você é gay?
Desconcertado, Batista se dirigiu ao banheiro, batendo a porta. Não passaria de hoje. Não dava mais para adiar.
Ainda tentava organizar as idéias enquanto dirigia o carro que o levaria até a pessoa que mudaria seu destino. Parou no acostamento e digitou ou números que seu pai havia lhe dado. Era o celular de Marcos, que aguardava anciosamente sua ligação. Tinha prometido ao advogado que esperaria pela ligação do amigo.
O celular tocava há alguns segundos. Marcos parecia paralizado, observando e ensaiando algumas palavras, depois de um longo tempo afastado.
__Cara, há quanto tempo...
__Pode vir até a esquina da Chaves Barcelos?
__Claro. Em cinco minutos estarei aí.
__Não precisa correr. Eu espero.
Desligou o aparelho e saiu apressado.
Marcos  ia de encontro às pessoas na avenida Julio de Castilhos, coração acelerado, num turbilhão de pensamentos desencontrados. "O que dizer ao amigo? Como se declarar? Teria coragem para tanto?" Já começava a duvidar.
Observava os casais passando, sempre homens acompanhados de mulheres. Nossa! Como assumir uma relação homosexual se toda sua vida tinha sido hetero?
Parou num cruzamento e viu um rapaz afeminado passando pela porta de uma escola de informática. Tinha os trejeitos que não davam margem a dúvida de sua opção sexual. Era realmente um gay. Observou quando alguns estudantes cochicharam e riram do rapaz. O moço ia lá adiante, mas os alunos ainda o imitavam, como se fosse a brincadeira mais normal do mundo. E era! O que não era normal para eles eram os gays.
Maldito preconceito! Por um momento esqueceu de tudo que passou na cadeia e deu um passo em direção contrária.
__Não! Não posso desistir agora!
Novamente dirigiu-se ao local combinado. __Seja o que Deus quiser! Se não tiver coragem continuamos amigos.
Chegando próximo ao local avistou Batista. Continuava o mesmo, mais elegante agora, com seu terno cinza.
__Minha nossa! Você virou burguês!
__É só minha roupa de trabalho. Continuo o mesmo. Mas venha me dar um abraço.
Se abraçaram longamente. Marcos sentiu tanta saudade dessa segurança que o amigo proporcionava. Por um momento deixou as emoções tomarem conta.
__Desculpa. Passou a mão pelos olhos e virou o rosto para a rua, envergonhado.
__Sempre machista! Homem também chora, não se preocupe. Você emagreceu muito!
__A boia na cadeia não é lá essas coisas. Mas eu estou bem.Conte-me tudo.
__Vamos sair daqui. Meu carro está logo ali.Foram até uma Praça ali perto e sentaram-se na sombra, sem acreditar que novamente estavam juntos.
Conversaram durante horas. Batista contou da Faculdade, do trabalho com seu pai e das descobertas que fez nesse tempo com relação a sua profissão.
__Quer dizer que esse tempo todo você queria ser advogado e não sabia?
__Era pura birra do coroa que me fazia  odiar a advocacia. Foi muito bom ter sido obrigado a trabalhar com ele.
__Cara! Sempre achei seu pai fera! Agora sei que estava certo. Aliás, serei grato minha vida toda pelo que ele fez por mim e os rapazes.
__Não precisa ser grato. Basta se recuperar. Não vacilar mais.
__Não se preocupe. Sou um novo homem! Depois de tudo que passei naquele inferno ou eu mudava ou caia de vez.
__Eu falei feito uma matraca. Vamos, conte-me tudo. Não esconda nada.
__As coisas ficaram ruins por lá...
__Eu estou sentindo. Pode se abrir.
Marcos lentamente relatou ao amigo tudo que aconteceu desde a chegada dos três amigos no presídio. A perseguição do Boca, o assédio, a violência contra Joca, o pedido de socorro ao Alemão.
__Que burrada! Por que não pediu minha ajuda?
__Ah! Claro! Eu não sabia de você...
__Mas meu pai ia entender numa situação dessas...
__Pare de ser romântico porra! Lá é bem diferente de tudo que já vivemos. Não me julgue sem ter vivido naquele inferno!
__Continue. Eu sinto que tem mais...O que o Alemão fez? Mandou matar o cara?
__Pior.
__Pior?
__Ele não fez nada.
__Seja mais claro. O que fizeram?
Marcos não tinha coragem de encarar o amigo, que rapidamente deduziu o pior.
__Você matou o cara? Anda! Fala!
__Não tive escolha.
__Como?
__Alemão armou tudo. Comprou o carcereiro, armou um esquema e me enviou uma faca.
__Uma faca?
Marcos não se aguentou mais. Chorou feito criança. Era a primeira vez que falava no assunto e parecia que saia um fardo pesado de seu peito.
__Não tive escolha cara...Era isso ou Joca.
__O que Joca disse disso tudo?
__Ele é outra pessoa. Insegura, apavorado, pediu-me para ajudá-lo...
__Minha nossa! Você quase se ferrou. Já pensou nisso? Se te pegassem?
__Não me julgue! Você não. Não sabe o que é ver um amigo sendo violentado em sua masculinidade. Joca tentou se matar! Por pouco não conseguiu.Ficou todo arrebentado, por dentro e por fora.
__Desculpe. Batista abraçou o amigo. Eu te entendo.Mas agora vamos deixar isso para lá. É passado. Já estão fora.
__Não diga a Joca que te contei. Ele tem pavor que alguém saiba o que se passou lá.
__Não se preocupe. Venha. Vamos sair daqui. 
Foram até a casa de Batista. Tinham muita coisa ainda para falar. Batista sentia que o rapaz estava diferente. Se não o conhessesse bem pensaria ter alguma chance. 
__Não quero incomodar.
__Nem pense nisso. Vamos jantar e botar a conversa em dia. Depois te dou uma carona até em casa.
__Estou num hotel.
__Por que? E Dona Maria?
__As coisas apertaram para ela sem minha ajuda. Voltou para nossa cidade natal. Lá temos parentes. Eu falei ao telefone. Vou lá assim que der. 
__Cara! Por que não me disseram nada? Eu teria ajudado.
__Já ajudou demais.
__Pare com isso! Nem parece que somos amigos...Nada mudou! Eu me afastei por conta da promessa que fiz ao meu pai.
__Eu sei disso. Sou grato. E acho que seu pai fez o certo. Assim você encontrou seu caminho.
__Você também pode encontrar o seu.
__Vou tentar arranjar trabalho. 
__Primeiro vamos buscar suas coisas. Você vem morar comigo.
__Não. Nada disso!
__Não aceito recusa.  Vamos logo antes que conte mais uma diária lá no hotel.
__Não precisa, eu me viro.
__Está com medo de que? Não estou te cantando. Apenas quero ajudar um amigo.
__Não achei que estivesse. Nem ligo mais para isso. Não quero abusar, só isso.
__Então está decidido. Vamos buscar suas coisas e não se fala mais nisso.
Marcos saiu atrás do amigo em direção ao carro. Sua vontade era abrir o jogo e dizer o quanto gostava dele, que sentira sua falta e que não se importava mais com o que os outros fossem pensar. Mas não teve coragem.
__O que foi? Por que me olha assim?
__Desculpe. Eu ainda estou me acostumando com a liberdade.
__Sei não. Você está esquisito. 
Batista sentia que o amigo estava mudado. Só não conseguia entender seu comportamento.
__É...A cadeia mexe com as pessoas.
__O que disse? Perguntou Marcos entrando no carro.
__Nada. Vamos logo.




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Capítulo VIII - Vencendo os Preconceitos

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