segunda-feira, 21 de março de 2011

15 - Capítulo VII - Encerrando uma Fase Ruim

__Hoje em dia as mulheres abrem mão da pensão alimentícia no processo de separação. Elas conquistaram seu lugar no mercado de trabalho e não precisam mais do ex-marido para se manter. Batista dava algumas orientações a uma cliente.
__Mas a das crianças não abro mão...
__Nem pode. A obrigação do sustento dos filhos continua a mesma. Seu marido vai pagar enquanto forem menores.
__Depois da maioridade elas deixam de ser filhas dele? Perguntou debochada a mulher.
__Claro que não. Mas aí já é uma questão de consciência. Inclusive a Universidade continua sendo obrigação caso o filho não tenha como pagar. Para isso é que estamos aqui, nós os advogados somos a garantia de que as obrigações sejam cumpridas. Não se preocupe Dona Marta, tudo vai dar certo, pode confiar.
__Agora estou mais tranquila. Eu pensei que tudo ia cair nas minhas costas. Mas me diga, o senhor é casado? Sua esposa é advogada também?
__Não sou casado. Acho que de tanto ver casais se separando acabei solteiro. Cairam na gargalhada.
__É mesmo. O exemplo não deve ser o dos mais agradáveis. No meu caso funciona ao contrário. Não vejo a hora de procurar um novo amor. Acho que vou morrer tentando achar minha cara metade. Aquela que vai ficar comigo até estarmos bem velhinhos.
Batista lembrou de Marcos. Há muito tempo não o via e a saudade era insuportável. Sentia que o amigo era a sua cara metade, mesmo ele sendo tão machista e não admitindo a idéia de uma relacionamento homosexual, sua amizade bastava, sabia que podiam voltar a conviver um dia, quando sua dívida com a sociedade estivesse paga.
Batista estava se preparando para a prova final na Faculdade e tinha, finalmente, se mudado da casa dos pais. O apartamento que antes servia apenas para encontros amorosos e reuniões com os amigos, agora era seu novo lar. Tinha decorado ao seu modo e tudo ali tinha uma história: "o som era presente de aniversário da turma antes de viajar para o exterior",   "o jogo de quarto foi comprado para uma orgia fenomenal com uma modelo que conheceu no aeroporto, numa de suas viagens de férias ao nordeste", o "jogo de cozinha foi presente da avó, quando ela trocou o seu por um novo e quis colaborar com o neto que acabara de comprar o apartamento", ...Batista era sentimental!
Mas o que guardava com enorme carinho era uma bandeira do Grêmio, que ganhou de presente de Marcos no dia que o time caiu para a segunda divisão. A frase que ficou na sua lembrança era o que fazia do presente algo muito caro: "Se vai chorar, enxugue as lágrimas com ela. Até a pé nos iremos...Juntos até na desgraça!"
__Acha que ele sai dessa vez? Perguntou o rapaz ao pai.
__É o que espero! Mas você prometeu ficar longe dele...
__Não se preocupe com isso. Somos adultos. Tudo que passamos foi como uma lição de vida. Não preciso me afastar deles.Eu estou estudando, logo me formo, trabalhando contigo no escritório...Não acho legal que fique controlando se devo ou não ser amigo de alguém.
__Mas foi o nosso acordo. Concordo que já é adulto, mas deve concordar que era adulto antes e deu no que deu...
__Pai. Confie em mim. Dessa vez estou consciente do que quero.
__E o que você quer?
__Seguir os seus passos. Percebi que gosto da carreira. Talvez por pura implicância de filho imaturo demorei a perceber. Agora não tem volta, serei um advogado do qual vai se orgulhar.
O pai do rapaz deu um largo sorriso. Era tudo que queria ouvir.
__Pois bem. Faça o que quiser então. Só não se deixe levar por más companhias dessa vez.
__Pode deixar.

Batista ficou mais leve. Já podia planejar esse encontro. Era tudo que mais queria no momento, reatar a amizade de Marcos. Estava concentrado nas recordações da época em que estavam todos juntos, nas farras com mulheres, nas noitadas cheias de cerveja depois de um grenal...Não percebeu a moça lhe chamando na porta aberta.
__Hum...Um centavo por seus pensamentos!
__Eles valem bem mais que isso. Respondeu o rapaz. Era Anita. Trabalhava no escritório como auxiliar administrativo e não perdia a oportunidade de demonstrar seu interesse. Sempre com um olhar mais atrevido, um decote ousado ou mesmo uma indireta. Uma vez chegou a convidá-lo para seu apartamento, mas Batista sempre dava um jeito de se esquivar, se fazia de desentendido. A moça até que era bonita, bom papo, inteligente, mas na verdade já tinha assumido para si mesmo sua preferência por homens e não fazia sentido sair com alguém sem grande interesse, como era o caso ali.
__Posso te fazer uma pergunta? Anita parecia advinhar seus pensamentos.
__Lá vem você...Faça.
__Tem namorada?
__Sabe que não. Já te expliquei...
__Se não tem namorada, por que não deixa rolar? Eu sou tão feia assim?
__Você é linda! O problema é outro. Batista não queria mentir para a garota. Mas também não podia dizer a verdade, afinal não tinha falado a respeito com seus pais. Tinha que resolver as coisas logo, estava ficando insuportável.__Digamos que estou apaixonado por alguém...
__Hum...Mas então, por que não se declara? É casada?
__Não. Está viajando. Mas breve vai voltar e pretendo me declarar.
__Entendo. Mas podíamos sair sem compromisso então...
__Não insista por favor. Não quero que crie expectativas.
__Não crio...Pode deixar.
Ela estava deixando o rapaz numa saia justa. Ia ter que sair com a moça ou contar tudo de uma vez. Para seu alívio o  telefone tocou. Era sua mãe.
__Claro, pode deixar. Dois pacotes de leite integral. Eu levo. Mais alguma coisa?
__Hum. Que filhinho dedicado!
__Psiu! Não mãe. Falei com Anita. Não. Nada disso. Tenho que desligar.Colocou o fone no gancho e encarou a moça.
__Podia pelo menos deixar eu falar ao telefone.
__Mil desculpas Milorde! Não foi minha intenção atrapalhar um momento familiar tão belo.
__Anita. Vou ser bem franco: Não se iluda comigo. Sou um cara complicado. Não perca seu tempo comigo.
A moça fechou a cara e saiu da sala rapidamente.
Batista estava decidido,  ia conversar com a família e assumir sua condição em breve. Não dava mais para esconder do mundo uma coisa tão importante.


Enquanto isso na cadeia...


__Não quer falar sobre o assunto?
__Deixe-me quieto.
__Não pode mais continuar assim. Quer que todos percebem o que fez?
__A cara dele não sai da minha mente. Eu vou melhorar, pode deixar. Só quero dormir um pouco.
Marcos tinha entrado na cela de Boca há algumas noites como combinaram. O rapaz estava dormindo. Ele o chamou e como não acordava, deu-lhe um safanão. Boca deu um sobresalto e sentou-se à cama meio zonzo.
__O que quer?
__Chegou tua hora malandro!
__Deixa disso. Sei que não mata nenhuma mosca, veio até aqui para tirar satisfações por ter mexido com sua namorada?
__Joca não é gay! É muito homem. Muito mais que eu e você juntos. Seu merdinha!
__Ah! E aquela historinha que me contou?
__Você não respeita as pessoas...Foi uma maneira de proteger um amigo.
__Que idiota! Então não te devo nada. Seu amigo é bem gostozinho. Sabe, foi bom me contar. Eu ando com muita vontade de repetir a dose. Ele é muito gostozinho mesmo...
__Prepare-se para morrer canalha...
__Não pode me matar. Sou sócio do Alemão. Pode até tentar me dar uma surra, eu deixo. Já matar... Nem que tivesse coragem. Deu uma gargalhada. Foi um segundo de distração e Marcos enfiou  a faca enferrujada em sua barriga até sentir o cabo em seus dedos. O homem arregalou os olhos, surpreso.
__Sabe o significado da palavra AMIZADE? É isso cara! Vá para o inferno!
Voltou para a cela, desfez-se das roupas sujas de sangue e se lavou na minúscula pia.  Joca assistia tudo paralizado.
Desde aquele dia não conseguia dormir.
O momento que enfiou a faca não saía do seu pensamento. Desde criança ouvira falar no inferno que esperava uma pessoa que matava alguém, nas leis de Deus, no pecado de tirar a vida... Ao mesmo tempo a simples imagem daquele idiota machucando o amigo o deixava enjoado, a impossibilidade de ajudar, afinal estava preso a uma cela. O fato é que naquele momento tinha a solução à mão. Era uma questão de sobrevivência. 
Como sentia falta de Batista! Nas horas mais difíceis ele sempre tinha uma solução ou um conselho sábio. O amigo lhe dava segurança. Por que as coisas tinham que ser assim? Tudo tão difícil, nada era simples em sua vida.
Foi uma imensa alegria quando o advogado  lhe comunicou que em breve sairiam dali.
__Não me engane Doutor. Prefiro pensar que vai demorar anos para sair daqui...
__Nada disso. É questão de horas. O juiz vai liberar vocês. Confie em mim. Basta seguir tudo direitinho. Lembre-se: Endereço fixo, trabalho...São coisas importantes. 
__É...Nem acredito! Liberdade!
__Espero que tenham aprendido a lição...
__Não se preocupe. Vida nova! Mas eu preciso lhe dizer uma coisa Doutor. Quero ser bem franco.
__Fale.
__Eu vou rever seu filho. Preciso rever Batista. É questão de honra. Graças a ele estamos saindo desse inferno. Tudo que fez, todo o empenho, foi tudo graças ao meu amigo. Eu preciso ter uma conversa,  nem que seja a última. Eu devo isso a ele.
__Não se preocupe. Eu já aceitei isso. Ele vai procurá-lo em breve. 
__Não. Aqui não. Fora daqui. Diga a ele que eu prefiro vê-lo em liberdade. Na boa.
__Você mesmo diz. Assim que sair sua soltura eu lhe passo o telefone dele e vocês combinam. Mas olhe lá cara...
__Tranquilo! Pode ficar sossêgado. Eu gosto muito do seu filho.


A simples idéia de rever Batista o deixou eufórico. Teria coragem de dizer tudo que tinha planejado? Só vendo para crer. Tinha tudo na ponta da lingua.

__Seja o que Deus quiser!

Tinham combinado tudo. Sairia dali e iria direto para sua casa ver a mãe. De lá aguardaria a ligação do amigo.
Nem acreditou quando passou palo portão de ferro. As lágrimas cairam. 
O advogado esparava pelos rapazes.  Ia levá-los para casa.  As mães esperavam ansiosas. O abraço, o carinho, quanto tempo sonhavam com isso...
__Venham!  Nem olhem para trás.  Nova vida garotos! 




Próximo Capítulo - Dia 28 de março de 2011
continuação do Capítulo VII - O Reencontro de Dois Amigos

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