segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

8 - O Filho da mamãe

Dois anos haviam se passado desde que Marcos guardara aquele pacote. Batista estava certo, já perdera a conta de quantas vezes e de quantos pacotes havia passado por suas mãos.
__Se tornou cúmplice, sim senhor. Se você ajuda, não importa a maneira que faça isso, é cumplicidade.
__Psiu...Quer que Dona Catarina escute? Estavam na sala da casa de Almir, esperando pelo amigo. A mulher disse que ele chegara de madrugada, por isso era preciso ter paciência, pois  dava trabalho  para acordar.
__Eu não sei se fizemos o correto vindo aqui.
__Porra! Quem você acha que intermediou a ajuda do Alemão?
__Claro. Tinha que ser ele.
__Fica frio. Você precisava vir embora. Eu tive que usá-lo. Acha que o cara me daria dinheiro sem garantias? Eu precisei pedir ajuda ao Almir. Ele me devia uns favores.
__Os tais pacotes. Sabe, eu acho que ele fez isso de propósito, para te amarrar. Essa história de guardar mercadoria...
__Seja como for, eu fiz...Pior, ainda faço. Por isso, agora é tarde para chorar o leite derramado.
__Psiu...Batista fez um sinal. Almir estava na porta do quarto, esfregando os olhos, visivelmente contrariado.
__Porra meu! Tinha que me acordar?
__Você disse para que viéssemos aqui assim que Batista chegasse. Pois aqui estamos.
__Não podiam esperar amanhecer?
__MC me contou que foi você que conseguiu a grana da passagem e tudo mais para que eu voltasse para o Brasil. Vim agradecer...
__Não precisa. Não foi de graça. Sabe que ficou devendo essa, não sabe?
__Pare com isso. Eu já conversei com o Alemão. Está tudo acertado...
__Falou com o chefe? Que história é essa?
__É isso mesmo. E pare de me tratar como se tivesse tirado meu pai da forca. Faz dois anos que te ajudo. Você é que me devia uma. Baixe sua bola cara...
Almir deu uma olhada para Batista e concluiu:
__É...Parece que voltamos a estaca zero. Eu pensei que esse tempo na Itália tivesse dado um basta na "amizade colorida" de vocês. Pelo visto não deu.
__De que fala? Quer ser mais claro?Batista estava intrigado com seu comentário, enquanto Marcos coçava o queixo com o olhar apertado.
__Pergunte a ele...Almir apontou para Marcos, que de súbito, puxou o amigo até a porta.
__Vamos embora antes que eu faça uma besteira.
Sairam e Almir ficou sorrindo, com o olhar debochado.
__Vó! Cadê meu café?
Dona Catarina apareceu na porta e perguntou ao rapaz:
__Já? Pensei que fosse dormir mais um pouco. Venha, arrumo tudo num instante.
Foram para a cozinha e Almir brincou:
__Vó...Sabe por que não me casei até hoje?
__Lá vem você com besteira...
__É verdade! Não se fazem mais mulheres como a senhora. Por isso não caso.
__Não se fazem mais netos como você, isso sim. Agora venha ou o café esfria.
__Almir era muito ligado na mulher. A mãe sempre trabalhara fora e não pode educá-lo como devia. Essa função tinha transferido à mulher, que com seus 70 anos de idade, considerava o rapaz como um filho.Tinha verdadeiro orgulho do neto e não via defeitos em seu caráter. Almir sempre trabalhou e deixava quase todo salário em casa. Até o dia que conheceu a turma e se meteu em assaltos. Depois conheceu Alemão e aíí tudo se complicou. Era difícil explicar o porquê de ter se metido em tanta coisa ruim. Educação e amor tinha recebido de montão. A única coisa que poderia explicar um pouco de sua irresponsabilidade era o fato de não ter conhecido o pai. Talvez a falta de um exemplo masculino em casa o tenha empurrado para o crime.

__Vó,  minha mãe vem ou não?
__Sabe como ela é ocupada. Dois empregos não é fácil de administrar.
__Ela não saiu do restaurante ainda? Eu já disse que banco tudo. Ela não tem mais que trabalhar.
__Você conhece sua mãe. Dificilmente vai aceitar ficar em casa a toa.
__Eu vou falar com ela.
__Fale sim. Quem sabe dessa vez ela te escute.

Kátia não conseguia aceitar o fato do filho  ter condições de assumir o controle das despesas da casa.  Por mais que ganhasse bem, não queria terminar sendo um peso ao rapaz. Fazia questão de ter seu trabalho e de continuar no controle das coisas.
Mal sabia, que estava certa. Os negócios do filho não eram tão seguros assim. Tampouco aceitaria um tostão se soubesse da origem. As duas mulheres eram pobres, mas jamais aceitariam nada originada de algo ilícito.

Com certeza, se um dia viessem a saber de tudo, seria difícil se recuperar do susto. A avó, talvez pela idade, não sobrevivesse a tamanho desgosto. Almir, apesar de ser neto, sempre foi considerado como um filho. Pior, o filho que toda mãe sonha. Sempre atento, preocupado, nada lhe escapava. Médicos, lazer, a mesa sempre farta, tudo passava por sua avaliação. As duas mulheres o tinham como um ente muito querido.

A casa estava por cair...

__Cara, vocês estão dando muita bandeira. Eu acho melhor dar um tempo nessa história de assalto ou vamos acabar mal.
Almir parecia verdadeiramente preocupado.
__Olha quem fala. Você está enterrado até o pescoço. Mais fácil pegarem você por tráfico de drogas que descobrirem sobre os roubos. Afinal, você não é nosso estrategista? Não arquitetou cada um deles como seu talento e esperteza? Marcos adorava provocar o amigo.
__De que adianta planejar tudo e não deixar rastros se vocês esbanjam? Qualquer um vê que o padrão de vida de vocês não condiz com a realidade.
__Eu raramente compro algo. Poderia ter mudado para uma casa melhor, comprar móveis novos, escola particular para meus irmãos...Nada. Não sei do que você fala.
__É de mim, não percebe? Comprei apartamento, viajei para a Itália. Ele acha que foi com dinheiro dos roubos.
__E não?
__De forma alguma. Eu tenho minhas economias. Não preciso desse dinheiro sujo.
__Sujo? Mas você bem que ajudou a ganhá-lo.
__Vai começar novamente com essa implicância? Marcos estava irritado com Almir.-Qual é o seu problema? Inveja?
__Não fale bobagens. Só não posso confiar numa pessoa que não precisa de dinheiro. Acha que na hora do apuro ele vai ajudar a gente? Não se iluda, vai sumir do mapa. Não vai querer que o "papai" se decepcione.
__Você está enganado comigo. Eu sou leal aos amigos. Claro, talvez você esteja certo numa coisa: eu jamais me ferraria para salvar sua pele. Mas dos meus amigos eu sou leal sim, até as últimas consequências.
__Parem os dois. Olha aqui Almir: Batista voltou a pouco da Itália e é muito bem vindo!  Seu lugar na turma continua intacto. Se você não está contente, pode cair fora. Até é melhor, pois essa história sua com Alemão é que pode ferrar a gente de vez. 
__Está me dispensando da turma?
__Sim. Ou você para de uma vez de implicar com Batista ou cai fora.
__Depois quando eu falo que vocês tem uma amizade estranha você fica soltando fogo pelo nariz. Tem coragem de me tirar da turma por causa desse aí...
__Esse aí tem nome. Me chamo Batista. Mas fica susse. Não pretendo continuar com os roubos, já é fato decidido. Por isso pode continuar.
__Uma ova que vai sair...Esqueceu nosso acordo? Parem os dois com isso. Amanhã teremos uma reunião para tratar de um novo projeto. Quero os dois lá, na boa, os dois. Mas aviso, se continuar com essa sua implicância vai sair bem de mansinho. E fica um aviso: Se ferrar a gente, ferro você bonito. Sabe que no seu caso vai apodrecer atras das grades por toda vida, não sabe?
__Vamos embora. Quero fazer um monte de coisas ainda, rever amigos. Olha aqui cara, sei que está irritado com minha volta, mas mesmo assim, estou feliz em vê-lo novamente. 
Batista piscou para o amigo e saiu. Marcos o acompanhou.








Próximo Capítulo - Dia 07 de fevereiro de 2011
Capítulo IV - Sandoval, o Maria vai com as outras

Um comentário:

Política de moderação de comentários:
A legislação brasileira prevê a possibilidade de se responsabilizar o blogueiro pelo conteúdo do blog, inclusive quanto a comentários; portanto, o autor deste blog reserva a si o direito de não publicar comentários que firam a lei, a ética ou quaisquer outros princípios da boa convivência.