segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

12 - Aprendendo a viver na prisão

__Temos carne nova no pedaço!

Joca passava pelo corredor do presídio,  já uniformizado, ouvindo os comentários dos presos nas celas.
__Olha aqui moreninho...Hum...Meio fraquinho!
__Olha a pele do garoto! Trouxe filtro solar meu bem? Aqui a temperatura é altíssima, pode pegar um câncer de pele. Ei!!! Cancêr! Olha o novo franguinho...O rapaz olhou para um homem moreno, alto e de feições duras, que observava tudo, concentrado,  sem piscar o olho.A gargalhada foi geral!
__Joca estava apavorado. Ouvira contar do que sofriam os novatos na prisão e aquela recepção o deixava muito nervoso. Eles haviam  separado os três amigos,   por isso ficava mais difícil enfrentar os olhares e observações dos mais antigos, que, aparentemente, se julgavam donos do pedaço.
Joca era franzino, com cara de adolescente, não dava para imaginar que já fosse maior de idade. A sua pele era alva e não era uma pessoa tímida, mas aquele lugar o deixava sem reação, parecia outra pessoa. Lembrou de sua mãe...Como desejava que estivesse ali! Ela certamente teria as palavras certas e sábios conselhos de como agir naquela situação.
Entrando na sela, perguntou ao carcereiro: "Quando vou poder falar com minha família?"

__Breve vai poder falar com um advogado. Vai aproveitando a estadia enquanto isso. O policial saiu sorridente.
Era um cubículo com quatro colchões. Dois deles estavam ocupados. Num deles um homem dormia e se ouvia um  ronco forte e do outro  o olhar de um jovem de uns vinte e poucos anos e cara de poucos amigos.
__Relaxe! Eu não mordo. Vai se acostumando com cara feia! Tem algum amigo por aqui?
__Dois. Foram presos junto comigo. Mas nos separaram...
__É por pouco tempo. Só até vocês darem seus depoimentos e essa coisa toda legal e burocrática. Breve os verá no pátio, na hora do sol.
__Que boa notícia!
__Não se anime. A hora do sol é a pior de todas. Por isso precisa de um amigo de peso, daqueles que não tem medo de sangue. Só assim eles respeitam tampinhas como você.
__Como assim?
__Cara! Olha seu tamanho! Para virar mulherzinha de neguinho aqui falta pouco. Joca ficou branco.
__Fica frio! Vão te dar sossego no começo. Mas vou te dando umas dicas até você encontrar seus amigos.
__Por que faria isso?
__Porque não quero nenhum viadinho na minha cela. Dizem que depois da primeira fudida a coisa vicia. Gargalhou o homem._Prazer! Sou Zito !  Me chamam de Zito Self Service. Por um defeitinho que tenho, quando eu assalto uma casa, não resisto só em roubar o morador, se tiver mulher na jogada eu traço, sem distinção. Pode vir velha, raquítica ou franguinha. Mulher é meu prato preferido.
Joca ficou apreesivo e o rapaz deve ter percebido, perspicaz, pois disse:
__Sem chance! Não dou bola pra viado,  só  bala. E gargalhou!
__Não sou gay.
__Não se sabe ainda, aqui tudo muda...


Sandoval estava numa sela da delegacia, algemado e sentado no chão, com os olhos vermelhos. Tinha perdido a cabeça e afrontado o detetive que o prendera.
__Neguinho apronta e depois chama a "mamãe". Ele chutou o quanto pode, falou que tinha seus direitos e quando sentiu o peso da mão do Jair no bucho lembrou que tinha mãe. Era Leandro, parceiro do detetive Jair,  tinham feito as prisões e Sandoval resistiu, dando a oportunidade de mostrarem sua frieza e abuso de poder.  Tinham batido no rapaz até perder os sentidos e depois o jogaram numa sela na delegacia, deixando-o por horas a espera do Delegado.
 __Deixe-o tomar chá de cadeira! No chão, é claro! Completou o Delegado. Assim aprende a respeitar uma autoridade.
Era Durval Alvin, Delegado de Furtos e Roubos do 20º Distrito  Policial do RS,  mais conhecido por "Carrasco",  por sua mão de ferro ao tratar  os homens e mulheres que chegavam ali pegos em flagrante delito.
Sandoval estava perdido! Senti-se mal por ter sido separado dos companheiros. Não tinha estrutura para lidar com a situação e,  por incrível que pareça, se achava injustiçado por ali estar. Os roubos, para ele, eram como diversão, coisas de jovens e não se via como um bandido. O mais incrível era que,  mesmo depois da surra,  ainda achava que deveria resistir.  Para o presídio ele não iria sem protestar. Não era igual aos outros que lá estavam.  Não podiam misturar as coisas. Certamente seus pais o tirariam dali rapidamente.

Marcos foi o mais realista possível.  Por ter se entregado as coisas ficaram mais fáceis para ele. Tinha ligado para sua mãe e agora, depois de sua visita, aguardava a do advogado. Certamente Batista já estava providenciando isso.


__Eu não acredito que aprontou essa para sua família! Que não quisesse seguir a carreira de advogado tudo bem, mas seguir pela trilha do crime? Sua mãe estava visivelmente alterada.
__Mãe, não vou mentir. Participei sim, mesmo de fora, só esperando no carro, participei. Dei cobertura.
__Por que?
__Nem sei...Pode não acreditar, mas não sei...Acho que por amizade, sei lá.
__Amizade? Que amigo arrasta o outro para o mundo do crime?
__Não é bem assim, não fui obrigado. Participei por livre vontade. Apesar de não concordar, algo me ligava aos demais...
__Algo? O que o motivou a se ferrar desse jeito?
__Mãe. Esse é outro assunto, que um dia eu falarei. Não hoje.
__Quer ajuda mas ainda guarda segredos?
__Isso não tem nada a ver com os roubos. É coisa minha e não é ilícita. Mãe! Preciso de ajuda rápida! Meu amigo precisa. É por mim que peço. Estou disposto a voltar  estudar, a me formar e assumir o escritório.
__Faria isso? Mas odeia advocacia...
__Já decidi.Vão ter o filho que sempre sonharam. Mas quero que defendam meu amigo.
__Marcos?
__Sim. Sandoval e Joca também. Se defenderem eles eu assumo a vida que vocês planejaram para mim.
__Vou falar com seu pai. Ele está muito nervoso. Não está aqui porque tem medo de bater em você. Você conseguiu deixá-lo mal. Não sei como não enfartou com tudo que falou ao telefone.
__Eu sabia que reagiria assim. Por isso falei ao telefone...
__Quero que fique aqui. Não saia. Vou contar tudo que me disse a seu pai e depois vamos dar nossa resposta. Promete que não sai?
__Para onde eu iria? Se saio corro o risco de ser preso. Aliás,  se  fico também.
__Não fuja. Fique aqui. Já, já eu retorno com seu pai.
Foram cinquenta minutos. Talvez os mais difíceis de sua vida. Tinha jogado sua cartada final. Ia entregar sua vida em prol do amigo. Já tinha planejado isso há algum tempo. Agora era enfrentar tudo que estava por vir. Tinha consciencia do que tinha feito e estava disposto a pagar por isso. Também iria realizar o sonhos dos pais. Mesmo que fosse a custa de romper com seu amigo. Ia ser muito difícil, mas teria que assumir as consequências de seus atos. Depois, Marcos o salvara de uma situação delicada quando o trouxe de volta ao Brasil. Devia isso a ele. Mas não era só isso. Sabia que o amigo dependia dele para voltar a ter uma vida normal. Sempre soube que isso aconteceria e, no íntimo, sempre esteve a espera disso. Do dia que a casa caisse. Todos sabem que um dia isso acontece. Não acreditava em crime perfeito, ainda mais com os amigos sempre brigando, como era o caso deles.
__Acho que entrei nessa para poder ajudar Marcos quando fosse preso.
__Que está dizendo? Sabia que seriam pegos? Como assim?
__Pai. Você não vai entender agora. O fato é, diga o que quer de mim para tirar meus amigos da cadeia.
__Sabe que terão que pagar pelo que fizeram. Posso defendê-los e tentar uma pena menor, talvez que respondam em liberdade, sei lá...Preciso me inteirar dos fatos e do que estão sendo acusados. Mas, a princípio posso adiantar que você não está sendo procurado. Não por enquanto.
__Quer alívio! Preciso ver o Marcos...
__Nada disso! Se quer que eu ajude seus amigos vai fazer exatamente o que eu mandar.
__Certo. Eu faço.
__Primeiro: Volta a estudar ainda hoje. Vá na Faculdade e veja o que é preciso. Segundo: Começa a trabalhar comigo amanhâ cedo, as oito em ponto, para ser mais exato. Terceiro: O que eu precisar de informações peço a você no escritório. Desse caso você fica fora. E por último: Não quero mais que veja essa corja de amigos que está presa. De hoje em diante eles de um lado e você a km de distância. É pegar ou largar.
__Eu aceito. Mas pai, deixa pelo menos eu me despedir deles.Arranja para que eu possa visitar Marcos.
__Nada disso. Escreva uma carta e eu entrego. Quero você longe disso. E não vou aceitar que vá lá pelas minhas costas.
__Eu sempre cumpro o que prometo, sabe disso. Não costumo mentir. Tudo bem. Mas conta ao Marcos então o motivo de eu me afastar. Isso o senhor pode fazer, não pode?
O homem levantou e não deu resposta.
__Fica sossegado meu filho. Ele vai defender seus amigos.
__Eu sei mãe. Confio nele. Só não me agrada a idéia de sumir assim sem explicações. Mas tudo bem, se for pelo bem deles eu sigo a risca.
Batista estava chateado com a situação, mas no fundo sempre soube que isso iria acontecer. Seu pai costumava ser implacável em suas decisões e, se fosse para salvar o amigo, se sujeitaria. Também, esse tempo seria uma boa chance de reavaliar seus sentimentos. Sabia que Marcos era hetero e que não estava satisfeito coma a mudança sexual do rapaz.
__Foi melhor assim...
Decidiu se jogar de cabeça nos estudos e no trabalho.

__Batista não vem? Marcos estava a cinco minutos na sala com o advogado e a falta do amigo o incomodava.
__Olha garoto. Eu não te conheço bem e também não aprovo o que fizeram. Mas fico feliz e agradecido que não delataram meu filho.
__Eu não sou traíra. Batista é meu brother.
__Brother ou não, nunca mais vão se cruzar. Eu dou meu sangue para tirá-lo daqui, ou mesmo reduzir sua pena, sei lá. Sabe que sou um advogado de nome, não achará ninguém melhor para defendê-lo.
__Eu sei Doutor. Sempre admirei o senhor.
__Então é isso. Mesmo que saia daqui, nada de procurar meu filho.
__Somos amigos, eu nunca prejudicaria um amigo.
__E o que é isso tudo então? Amigos roubando, sendo presos, perdendo a dignidade e a esperança num futuro que tinha tudo para ser brilhante. Vocês são jovens e jogaram a chance de uma vida digna no lixo!
__O senhor está certo. Mas não culpe Batista por isso. Eu obriguei-o a participar.
__Não foi isso que ele disse. Assumiu sua culpa. Meu filho é assunto encerrado. Concorda?
__Poxa! Se é assim que quer...Mas poderia entregar uma carta a ele?
__Não. Não acho bom. A polícia ainda está investigado vocês. Melhor não terem nenhum contato.
__Tudo bem. Não vou mais insistir. Estou agradecido por estar aqui.
__Pretendo defender você e seus amigos, mas, para isso, tem que me prometer seguir a risca todas as minhas orientações.
__Pode deixar. Eu quero sair daqui logo.
__Vou me inteirar de tudo e volto amanhã. Enquanto isso, comporte-se na cadeia. Não complique mais ainda sua situação. As coisas aí são complicadas.
__Nem me diga Doutor. Eu sei. Mas, e Sandoval, e Joca? Quando vou vê-los?
__Breve. Precisamos combinar as coisas. Breve!

Naquela noite, ouvindo os roncos dos colegas na cela, Marcos chorou. Era a primeira vez em muitos anos. A última vez que chorara foi quando tinha onze anos e apanhou na escola. Depois disso aprendeu que homem não chora por qualquer coisa. Mas essa regra vinha abaixo agora, sentindo-se perdido. Não pela prisão em si, tampouco por sua família estar decepcionada com suas atitudes, mas sim pelo fato de saber que teria que enfrentar tudo isso sem o apoio e os conselhos de seu amigo Batista. Mesmo quando ele morava na Itália, sempre dava um jeito de falarem pelo msn. Nunca passou por nenhum tipo de problema, nem tomou alguma atitude mais séria, sem antes o consultar. Estava sem chão. Passou a noite em claro e no dia seguinte as olheiras estavam profundas. 
Precisava se preparar para o que estava por vir. Tinha certeza de que passaria por muitas adversidades ali no presídio. Seus amigos certamente precisariam de sua ajuda. Sabia que não eram maduros o suficiente para aguentar o convívio ali.  Iam precisar dele, com certeza.




Próximo Capítulo - Dia 06 de março de 2011
Capítulo VI - Virando o Bicho!

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