segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

6 - Intercâmbio de corpos

Batista havia planejado tanto essa viagem, era uma maneira de mostrar ao pai que podia se virar sem ele. Também poderia  pensar com calma no que queria para o seu futuro, sem a pressão da família, sem cobranças. Então,  por que esse frio na barriga, essa dúvida de última hora?
__Tem certeza? Que pena que não tenho grana, eu iria com você se tivesse.
__Eu sei meu amigo... Eu mal pude pagar a minha passagem. Tudo seria diferente se meu coroa estivesse apoiado minha decisão.
__Esquece seu pai. Ainda pode desistir se quiser. Venha para minha casa. Podemos expandir nosso negócio...
__Que merda MC! Não acredito que me fez essa proposta. Eu não desisti da faculdade para investir no mundo do crime!
__Foi mal! Mas que outra opção eu tenho para te oferecer?
__Por isso tenho que ir. Se eu me der bem arrasto vocês comigo.
__Pare de besteira. Daqui um tempo nem vai lembrar-se dos antigos amigos.
__Sabe que não é verdade. Agora vai meu chapa. Nem devia ter vindo! Odeio essas coisas de despedida.
__Escute: Vamos nos falando pelo msn. Eu torço para tudo dar certo, mas, se não der, sabe que pode contar comigo.
__Eu sei.
__Não está entendendo... Pode pedir qualquer coisa. Tenho meus contatos, você sabe. Mesmo de longe, sempre posso arranjar uma grana de emergência para que volte. Ou outra coisa qualquer, eu peço para o Alemão.
__Nada disso. Fica longe desse cara, é fria! Vê se aprende,  tá mais que na hora de crescer...
__Mais enrolado do que estou...Não dá mais para recuar brother, mas o importante é dar tudo certo pra ti lá no estrangeiro.
__Eu sei que posso contar contigo. Venha cá meu chapa! Os amigos deram um longo abraço. Começaria um longo e conturbado período, no qual ficariam afastados, se falando apenas pelo computador.
Batista estava iludido pelas promessas de um advogado ligado ao líder da comunidade e não demorou muito para perceber que o tal intercâmbio não passava de uma armadilha para que trabalhasse para ele na Itália. Francisco Alvarenga, esse era o nome que passaria a assombrar o rapaz todos os dias no exterior.

Era a primeira vez que Batista saia de viagem, da terra firme, dava pavor de olhar pela janelinha do avião.
Quando finalmente  aterrizou em Milão,  procurou pelo homem, que combinou de esperá-lo. As pessoas passavam conversando, uns chegando, outros esperando pelo momento de partir,  animados,  deixando  Batista  apavorado. Só agora dava conta da diferença do idioma. A língua parecia fácil na TV   quando assistia a novela Passione,  mas ali, na realidade, era muito diferente. Olhou um casal a sua frente e prestou atenção do que diziam:
-Vuoi qualcosa da mangiare prima di prendere un taxi?
-No, caro, io preferisco andare direttamente in albergo ...

Não dava para entender nada. Procurou um local para sentar e decidiu esperar por Francisco, sozinho não ia conseguir chegar a lugar algum.




Os dias na Itália não estavam sendo como esperava. Sr. Francisco Alvarenga o levou para um hotel e no dia seguinte para seu novo trabalho. Era de garçon numa cantina onde o proprietário tinha o porte dos antigos senhores da máfia italiana. Era um homem rude, de semblante grosseiro, aparentando uns sessenta anos. O salário era muito pequeno, mas Francisco  garantiu que as gorjetas eram bem gordas. Claro, dependia do seu desempenho. Só um tempo depois percebeu que não se tratava do desempenho para servir as mesas. O restaurante era fachada, por traz funcionava  uma   agência de prostituição, basicamente composta de homens e mulheres recrutadas no exterior, principalmente do Brasil. Conheci Mariana, uma moça magra, de sotaque carregado e sobrancelhas grossas, que era de Belo  Horizonte. Francisco a trouxera com a promessa de seguir carreira de modelo há seis meses.
__Por que não voltou para o Brasil?
__Voltar como? Cadê seu passaporte?
__Está com  Francisco...Mas ele não pode  manter a gente aqui contra a vontade. Vamos na Embaixada...
__Nem tente. Ele saberia. Ele tem informantes por todo o lugar. Acho mesmo que ele e esse dono da cantina fazem parte da Camorra.
__Besteira. Essa máfia já acabou faz tempo.
__Não acabou. Acho bom você se preparar. Logo vão te colocar no esquema.
__Eu? Nunca!
__Não é tão ruim. Eu to juntando uma grana, breve vou dar  o fora. Mas tudo bem planejado. Se quiser te incluo no esquema, mas antes vai ter que  se adaptar. Rebelar-se,  não vai ajudar em nada.
Quando me contavam das garotas de programas lá em Porto Alegre eu imaginava uma vida de luxos, muita bebida , dinheiro, roupas caras. Para mim eram mulheres ambiciosas, que entraram por esse caminho por pura ganância. Jamais imaginara que em pleno século 21 pessoas eram recrutadas dessa maneira.
Decidi entrar na deles. Estava longe de casa, no máximo seria  uma experiência nova. Eu transei com mulheres de todos os tipos e classes sociais. O comum entre elas era o fato de serem solitárias. Mesmo as casadas, as  ricas, as com a vida toda planejada, eram sempre mulheres solitárias.
O susto eu tive quando Francisco me informou que eu iria sair com um homem.
__Eu não sou gay...
__Aprenda a ser.
__Tá maluco? Não saio com homens porra!
__             Acho melhor mudar de idéia até a noite. O homem é influente e escolheu você no catálogo. Se não sair com ele é o seu fim,  não preciso dizer o que fazemos com quem não obedece, preciso?
Há alguns dias,  Roberto,  um rapaz frances, tinha aparecido morto num quarto de hotel. Achávamos que tinha sido assassinado pelos donos da agência, mas não podíamos deixar que soubessem de nossas suspeitas.  O rapaz tinha decidido fugir e, mesmo tomando todos os cuidados, tinha sido pego. Foi torturado, provavelmente por algum psicopata, pois o machucaram bastante. Mariana achava que tinham aproveitado para gravar algum vídeo de sado masoquismo antes de matá-lo. Tinha muita procura por transas assim e um vídeo no estilo rendia uma boa grana.
Conheci Fabrício Menezes naquela noite. Era um rico empresário do ramo do vinho, coisa comum no país. Ele era um mega exportador,  respeitado e que decidira assumir sua homosexualidade.
Superados os temores, fiz meu primeiro programa com ele. Era uma pessoa sensível e deve ter percebido minha falta de experiência, pois facilitou muito as coisas. Confesso que me senti sujo, mas o fato de estar longe do Brasil e do julgamento de meus pais e dos amigos, ajudou bastante.
Eu, que sempre fora um cara machista e preconceituoso com relação aos homosexuais, agora os respeitava, finalmente.
Fabricio exigiu exclusividade e, depois de uma longa e cara negociação, comprou meu passe, como no futebol.
Fui morar com ele numa ampla mansão em Nápolis. Aprendi a vê-lo como um amigo e me preparava para voltar para o Brasil.
__Cara! Acha que ele vai deixar?
__Ele é uma boa pessoa. Devolveu meu passaporte e me deixa livre. Saio e faço o que bem quiser.
__Não se iluda. Ele é seu amigo enquanto você lhe servir à noite. Comprou você. Não é diferente do Francisco a da Camorra. Eu tenho certeza de que vai trancafiá-lo quando souber que pensa em partir. Mariana continuava se encontrando com o rapaz e temia pela sua segurança.
__Não acredito nisso, mas vou sondar.
__Seja prudente. Se realmente quer ir para o Brasil, faça as coisas escondidas. Eu te ajudo. Quem sabe não vou também.
Naquele mesmo dia percebi que os temores de Mariana tinham fundamento.
__Batista, mio amore, la vostra amicizia deve finire con quella prostituta. Non va bene per essere visto con lei.
__Fale em português, sabe que não entendo...
__ Deve findare vostra amizade con aquella prostituta.
__Anda me vigiando?
__ Non va bene ser  visto con questa donna. É la mia ora. Ho pagato caro per voi.
__Eu entendi direito? Pagou por mim?
__Non sejas un bambino. Sei que gostare de mio, aprendeste a gostare. Non quero una donna che cercando ...
Batista teve a certeza de tudo que Mariana falara. Tinha que deixá-lo tranquilo se quisesse voltar para o Brasil.
__Ela é uma antiga amiga da agência  De vez em quando nos falamos, mas dessa vez veio se despedir. Parece que um cliente anda exigindo demais seu tempo. Vai se afastar dos amigos.
__ Trovato uno scudo, proprio come voi. Sentenza ha la ragazza ..Perdona-me. Achou um protetor a  ragazza. Bom,  bom...
Batista gostava do rapaz. De todos os momentos ruins, das mulheres gordas, velhas e suadas, cheirando a alho e perfume barato, das bocas não tão desejadas beijando seu corpo, um homem era o que mais lhe assustava na época de sua iniciação. Mas Fabricio lhe surpreendera, não era sacrifício algum se relacionar com ele. Batista não era gay, ou pelo menos nunca assumiria se fosse, mas já lhe assombrava a possibilidade pois sentia prazer com o rapaz.  O que lhe tranquilizava era o fato de ser ativo, mas ao mesmo tempo, se algum tempo atras pensasse na possibilidade de beijar um homem ou fazer uma carícia mais íntima, isso o enlouqueceria, acharia absurdo. No entanto hoje sentia vontade de lhe dar prazer e via veracidade em sua relação com esse italiano.
Decidiu, tinha que ir embora. Não podia mais ir contra tudo que aprendera, contra tudo que pensava no Brasil. Era melhor ir embora o quanto antes.

Pediu ajuda a Marcos pelo msn, prometeu explicar tudo assim que pisasse no Brasil e, dois meses depois, estava em casa. Escapava na calada da noite de tudo que a Itália representava, com a ajuda de Mariana e de Marcos, longe do compromisso com o companheiro Fabrício.
Marcos era um gaucho típico, machão, sem admitir casais homosexuais. Tinha verdadeiro pavor de conviver com algum amigo e descobrir que não era hetero. Era o que sempre dizia quando se deparavam com um cara mais feminino que o habitual.
Por isso Batista ficou surpreso quando, depois de contar tudo, sem omitir nada, nem mesmo o sentimento conflitante que nutria pelo italiano, Marcos falou:
__Cara! Que coisa! Não sei o que dizer...
__Não quero ouvir nada. Achei que tinha que ser franco, afinal foi você que arranjou grana e tudo mais para minha fuga. Ainda te considero meu melhor amigo, agora mais ainda.
__Calma. Me deixe pensar...
__Pode ficar tranquilo. Vou trabalhar com meu pai e assim que juntar algum, pago o que te devo.
__Cala a boca, meu! Deixa eu respirar. Meu melhor amigo acaba de se declarar um bicha, eu preciso respirar...
__Eu não sou bicha!
__Desculpa...Viu? Eu nem sei o que dizer...Olha, vai para tua casa ver seus pais. Não te preocupes com grana, não quero de volta. Eu havia prometido te tirar de alguma furada, lembra?
__Faço questão de pagar. Mas primeiro preciso me estabelecer.
__Nada disso. Vai trabalhar comigo novamente. É um ramo sujo, como costumava dizer, mas é o que salvou tua pele.
__Vai querer uma pessoa como eu na turma?
__Quero meu amigo BC de volta. O que você faz não é da conta de ninguém. Só uma coisa, a gente não precisa sair dizendo isso por aí, precisa? Vai me cantar?
__Sou hetero! Vai se ferrar! .Não quero que ninguém saiba como vivi lá fora e o que fiz. Só te contei porque acho que te devia isso.
__Seja bem vindo então. Vem cá, dá um abraço...Espera, isso não pega, pega?
__Vá a merda!
Marcos gargalhou e abraçou o amigo.
__Façamos assim: Eu guardo teu segredo e tu trabalhas para mim. Essa é a condição.

 
 
 
 
 
 
 
Próximo capítulo – Dia 24 de janeiro de 2011
Capítulo III -  Almir, o Mentor Intelectual da Turma









8 comentários:

  1. romance ganhando corpo... abordas um outro assunto delicado que é a homossexualidade...

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  2. sempre produzindo. é isso ai. manda ver, me.

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  3. Gigio, vc me conhece bem. Eu não consigo ficar parada, sempre tem alguma porcaria para arrumar na cabeça, depois sai essas coisas no papel.
    Que bom saber que ainda me acompanha pelo mundo virtual...Bjo

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  4. Dr. Frederico
    É um tema atual mesmo e há muito tento escrever sobre ele, os jovens...Continue lendo, tem muita surpresa ainda.

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  5. notas de um degenerado

    ...esse é um dos temas abordados aqui, tem muito mais...continue lendo. Um abraço!

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  6. Madame, só pra citar, dr frederico é o dr durval, certo?

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